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Opinião - Imposto único: o papel aceita tudo

Josiane Becker*


A proposta que consta no plano de governo da candidata à presidência da República nas eleições de 2022, Soraya Thronicke, foi idealizada há mais de 30 anos por Marcos Cintra Cavalcanti Albuquerque, ex-secretário especial da Receita Federal no governo Bolsonaro e atual candidato a vice-presidente na chapa de Thronicke. 

Marcos Cintra, resgatou as ideias sobre tributação publicadas em janeiro de 1990 no artigo “Por uma revolução tributária”, ou seja, que falam da alteração do sistema tributário mediante a adoção de um único tributo, o imposto incidente sobre operações financeiras. De acordo com o proposto, dois pontos seriam a base da nova tributação: a existência de apenas um imposto com a extinção de todos os demais, e a fixação da transação financeira, isto é, da movimentação bancária como base de incidência tributária. 

Não há quem discorde da necessidade de melhorias no sistema tributário, porém, a reforma proposta por Thronicke, idealizada por Marcos Cintra, tem a mesma base de tributação da extinta CPMF, tributo amplamente rejeitado na maioria dos países que estudaram sua implantação. 

A recusa mundial ocorre pelo fato de que uma tributação eficiente deve incidir sobre operações comerciais ou sobre os lucros, rendas ou patrimônio, e não sobre o instrumento que materializa o modo de pagamento das coisas, que é a moeda ou o crédito. Nesse sentido, nas palavras do jurista Ives Gandra da Silva Martins (em artigo intitulado “O insensato retorno da CPMF), “tributar a circulação de moeda é acrescentar ao custo do dinheiro o custo do tributo, tornando este instrumento não de alavancagem da economia e de desenvolvimento, mas um breque”.

A ideia de substituir todos os impostos por apenas um, com taxação sobre movimentações financeiras com conteúdo econômico, também não se justifica do ponto de vista jurídico, pois gera o efeito confisco vedado pela Constituição, configura bitributação e atenta contra o princípio da capacidade contributiva, já que atinge indiscriminadamente pobres e ricos com a mesma força.

Caso aprovado o imposto único, as operações financeiras teriam um ônus refletido no custo do dinheiro, com características confiscatórias, pois as operações neutras sofreriam sempre redução de valor. Além disso, a circulação da moeda em diferentes etapas de um mesmo negócio resultaria em bitributação, já que o dinheiro ou o crédito passa por vários agentes e bancos antes de finalizar a operação comercial.

A tentativa de simplificar a tributação no Brasil é louvável, porém, um imposto único confiscatório, que fere a capacidade contributiva dos contribuintes e que acarreta em bitributação, não encontra base constitucional para sua aprovação. Ao escrever as propostas, os candidatos à presidência tecem promessas que lhe parecem vantajosas na corrida eleitoral sem, contudo, observar a legalidade e constitucionalidade dos compromissos. Afinal, como diz o ditado popular, o papel aceita tudo.

Não sabemos quantos inocentes serão levados a acreditar nas promessas com malabarismos tributários que o papel contém, como a defendida pela candidata à presidência Soraya Thronicke. A história conta que, passados mais de 30 anos, esse projeto de taxação pelo imposto único ainda não foi encampado. E o contribuinte, antes de votar, deve se perguntar o porquê.

*Josiane Becker é pós-doutora em Direito Público, doutora em Direito Tributário e professora da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).

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