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Para que servem os sonhos?

 

Marco Antonio Spinelli*

Um paciente do psiquiatra suíço Carl Jung relatou um sonho, onde ele via ao longe um trem. A locomotiva estava muito veloz, e havia um trecho em S da estrada de ferro logo à frente. O sonhador percebe que, se o trem não desacelerar, sua composição vai descarrilhar no meio da curva em S. E isso acaba acontecendo, fazendo o sonhador acordar assustado.

O paciente em questão era uma pessoa de origem humilde que tinha acabado de ter uma grande conquista: foi contratado para uma posição de prestígio na Universidade local, na Suiça. Jung observa que o sonho representava o perigo do homem estar um pouco acelerado e inflado com a promoção, o que representava o risco de um descarrilhamento psíquico. O homem achou aquela interpretação muito estranha e pouco científica. Hoje em dia, ele acharia essa interpretação ainda mais esotérica e pouco científica. O fato é que o homem seguiu fazendo o que estava fazendo e teve, alguns meses depois, um colapso nervoso, do qual não se recuperou. E perdeu a posição tão almejada.

Jung entendia que o Sonho tinha uma função de correção de atitudes conscientes. Ele chamava de Função Compensatória. Entendia também que o sonho tinha uma função prospectiva, ou seja, mostrava cenas que realmente poderiam acontecer no futuro. A Neurociência confirmou esses dois insights: o sonho ajuda a processar e elaborar a experiência consciente, por isso sonhamos com o que passamos durante o dia. Isso serve para o armazenamento de Memórias e a percepção de pequenos traumas e experiências incômodas que vivenciamos. Serve também para criar cenários futuros e as alternativas para manejar essas situações. A psique do paciente de Jung detectou a sobrecarga de estresse e de atividades que poderiam causar, e causaram, um desequilíbrio.

Existe uma simpatia com grande sucesso na internet, que consiste em deixar um copo d’água na sua cabeceira e fazer uma pergunta ao seu Inconsciente. Você faz a pergunta e toma um gole da água. Ao acordar, você toma outro gole, e a resposta aparece. Isso é científico? Claro que é.

Explico: quando você faz uma pergunta, sobre um assunto que te preocupa, você liga essa máquina probabilística que vai gerar cenários futuros para a melhor resposta. Por isso que os antigos sugeriam “dormir sobre o problema”, pois de manhã não é incomum que as alternativas e as respostas estejam muito mais claras do que na noite anterior. E a água? A água pode ajudar a acordar durante a noite. Lembramos dos sonhos que temos na hora de acordar, então o copo d’água pode ajudar a lembrar do sonho. A resposta, ou as possibilidades de resposta, podem ficar mais claras antes de fazer xixi. Mas um alerta: anote o sonho antes de fazer o tal xixi. Senão ele vai embora privada abaixo. Portanto, não tome muita água, que pode diluir sua resposta. Mas, Dr Spinelli, e a água ao acordar? Não serve para absolutamente nada e ainda pode aumentar a vontade de correr para o banheiro. Mas quem inventou a simpatia deve ter achado legal um gole matinal.

Freud dizia que o Sonho era a manifestação de seus Desejos ou Medos mais profundos. Também estava certo. Os sonhos, por essa característica de Oráculo Probabilístico (como denomina o neurocientista Sidarta Ribeiro), podem revisar e antecipar os cenários mais assustadores ou manifestar a imagem daquele crush que você nem sabia que era um crush, ou aquele namorado antigo que te achou no Instagram. O sonho revela então seus desejos reprimidos, como jogar seu chefe pela janela, por exemplo, ou manifesta seus medos, como ser mandado embora depois de arremessar seu chefe.

A boa notícia é que o seu Cérebro se interessa por você e pelo seu bem estar, e usa o sonho para consolidar seu Passado e antever seu Futuro. Depois de décadas que a pesquisa sobre sonhos ficou congelada, pois os neurocientistas estavam muito ocupados dizendo que Freud, Jung e os Sonhos não serviam para nada, hoje sabemos que sonhar é fundamental para nossa evolução e sobrevivência (enquanto eu digito isso, minha pet Jaqueline acorda assustada no meio do seu sonho. Vou deixar o texto sobre pesadelos para o próximo artigo).

Bons sonhos, para quem consegue dormir nessa época que ninguém mais dorme direito.

 

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress - o coelho de Alice tem sempre muita pressa


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