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Equilíbrio Distante

 

Marco Antonio Spinelli

Confesso que manter uma posição equilibrada está ficando cada vez mais cansativo nessa Civilização de Lacração e Cancelamentos que vivemos hoje. A virtude da Equanimidade está cada vez mais fora de moda.

Quando fiz a minha formação em Psiquiatria, nos anos noventa do século passado (rsrsr), já havia uma pressão clara para escolher entre um lado do prédio, o da Psiquiatria Biológica, ou o outro lado, da Psicoterapia. Neste século eu diria que um lado engoliu o outro, sobrou apenas a Psiquiatria baseada em tratamentos medicamentosos e intervenções biológicas. Freud e Jung nem são mencionados em Congressos ou aulas que se prezem. Pois eu, já naquela época, me recusei a tomar um lado e desprezar o outro, e montei dentro de mim uma Psiquiatria Compreensiva, isto é, uma Psiquiatria que compreenda as origens biológicas e psíquicas do sofrimento humano. Isto garantiu para mim uma espécie de exílio informal na vida acadêmica: para os Psicoterapeutas, eu era clínico demais, e vice versa para os clínicos. Paciência. Vejo todos os dias pacientes se beneficiando dessa abordagem integrativa. A Equanimidade entre as áreas possibilita benefícios conjugados dessas correntes de saber. Mas também torna esse trabalho um alvo fácil de diversos movimentos de Lacração.

Há alguns anos atrás, uma cliente querida, que escrevia para um jornal de grande circulação, entrou na sala muito decepcionada com um psicanalista, renomado e querido, e que escrevia para o mesmo jornal.  Ele publicou um estudo que desancava com todos os tratamentos para a Depressão, dizendo que em nada diferiam do uso de Placebo. Resumindo, você tomar um antidepressivo ou uma pílula de farinha teria o mesmo resultado na Depressão Leve ou Moderada. Ela tinha passado recentemente por um quadro depressivo leve para moderado, e tinha experimentado uma ótima resposta, com melhora marcada com os medicamentos que foram prescritos, que não eram feitos com farinha de rosca. Achou a opinião do psicanalista tendenciosa, ou, pior, não baseada na vivência em primeira pessoa de uma medicação bem indicada e seus resultados, graduais, mas consistentes.

Nas últimas semanas, os clientes começaram a reclamar de outro ataque, vindo do outro lado da barricada: o livro de uma cientista pop, intitulado: “Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”. Os pacientes reclamaram dos ataques dos autores à Psicanálise, mas os capítulos do livro listam outros ramos do conhecimento humano como “bobagens pseudocientíficas”: A Medicina Tradicional Chinesa, a Psicanálise, a Astrologia, a Homeopatia, as Terapias Energéticas e tudo o mais que não puder ser examinado segundo o sacrossanto Método Científico, segundo os autores, a única forma de apreensão correta da realidade factual.

A minha Dissertação de Mestrado tinha uma boa introdução sobre Filosofia da Ciência, para tentar demarcar as diferentes formas de conhecimento e compreensão dos fenômenos. Como os autores, acredito na coleta de dados e nas evidências para avaliar se algo funciona ou mesmo existe. Isso vale para tratamentos medicamentosos e psicoterapias, sobretudo quando falham ou trazem resultados ruins.

A cientista iconoclasta fez um excelente trabalho durante a Pandemia, levantando a voz contra a maré infernal de desinformação levantada contra Distância Social, Vacinação e uso de Máscaras. Deve ter se exposto a todo tipo de ataque e de estupidez das pessoas que não praticavam pseudociências, praticavam manipulação e amedrontamento em massa. Seremos sempre gratos a seu trabalho. Mas, como diria Jung, “Tu acabas se tornando aquilo que combates”. Mudar o lado da lacração não a torna menos lacradora. Atacar outros ramos do conhecimento e da experiência humana como bobagens pseudocientíficas, numa campanha jihadista pela Ciência, além da fabulosa estupidez de parear formas tão distintas de apreensão da realidade e colocar tudo isso no mesmo balaio, é uma doença prevista pelos psicanalistas: a inflação do Ego, o que acaba excluindo o Outro, assumindo um ar meio santarrão de “dono da única verdade”; o resto é bobagem ou ilusão. Sabemos onde isso termina. Mas tudo bem, isso também deve ser bobagem pseudocientífica.

Nosso saber está caminhando cada vez mais para o transdisciplinar. E, como diria minha avó: respeito é bom, e eu gosto. Essa deve ser uma característica e exercício de cientistas e terapeutas: o respeito pelo o que eu não conheço suficientemente para poder opinar.  

 

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”


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